A minha Lista de blogues

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

TEXTO SEM IMAGENS DA " HISTÓRIA DA CCAÇ. 4742/72

História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 1
HISTÓRIA E VIVÊNCIAS DA
COMPANHIA DE CAÇADORES,
Elaboração e organização: Manuel Bento Fernandes.
Colaboração no relato das vivências: Fernando Martins e Luís Rosário
Cedência de algumas fotografias: Marcos Prata, António Rodrigues, Luís Rosário e António Abreu.
20 / OUTUBRO/ 2010
C. CAÇ. 4742/72
HOMENAGEM
Aos combatentes açorianos e continentais que souberam, apesar das circunstâncias, defender a responsabilidade social básica de todos os cidadãos – preservar a sobrevivência da sua sociedade e os valores que a caracterizavam.
Saibamos ser dignos do que fizemos para dizermos “MISSÃO CUMPRIDA”
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 2
Índice
PREÂMBULO: ................................................................................................................ 3
1- INTRODUÇÃO: ........................................................................................................... 4
2- FORMAÇÃO DA C. CAÇ. 4742/72 ............................................................................... 7
2.1 - Realização do IAO em Brancanes - Setúbal ......................................................... 10
2.3- Embarque para Angola ......................................................................................... 11
3- IDA E ESTADIA NO LUFICO : .................................................................................... 12
3.1- Localização e História ........................................................................................... 13
3.2- A Nossa Presença ................................................................................................. 13
3.2.1- A vida no quartel ............................................................................................... 18
3.3- Descrição das operações ...................................................................................... 20
3.4- Outras actividades…………………..………………………………………………………………………….29
3.5- Os Castiços …………………………………………………………………………………………………………………..…31
4- QUE CONTACTOS TINHAMOS COM O MUNDO? .................................................... 32
5- EFEITOS DA GUERRA ............................................................................................. 33
6- CONHECIMENTO DO 25 DE ABRIL: ......................................................................... 35
7- A VINDA PARA LUANDA E A ESTADIA ...................................................................... 35
7.1-Autos de Justiça ……………………………………………………………………………………………………………….36
7.2- Os Cambistas ..................................................................................................... 367
8 - EMBARQUE PARA A METRÓPOLE .......................................................................... 38
ANEXOS:
1- LISTA DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA CCAÇ 4742/72 .............................. 39
2- CONSTITUIÇÃO E CARGOS NA COMPANHIA - C. CAÇ. 4742/72 ............................... 40
3- FUNDAMENTO DOS ENCONTROS ............................................................................ 43
3.1- PORQUÊ OS ENCONTROS? ................................................................................... 43
4- ENCONTROS REALIZADOS 1981 a 2010 .................................................................. 46
4.1- As Convocatórias dos Encontros dos ex-militares ................................................ 47
1.ª Convocatória ................................................................................................................. 47
Última convocatória: 2010 ...................................................................................... 48
4.2- Fotos dos encontros ............................................................................................ 49
5- HISTÓRIA DA DIVISA - GUIÃO ............................................................................. 51
6- GUIAS DE MARCHA ................................................................................................. 53
7 – LINKS SOBRE ASSUNTOS DA GUERRA COLONIAL ................................................... 55
8- TEXTO LITERÁRIO - A Mata ……………………………………………………………………………………55
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 3
PREÂMBULO:
“Não se desce vivo de uma cruz”, disse Lobo Antunes.
Tem razão L. Antunes. O tempo que todo o ex-militar passou numa das diversas guerras, foi uma cruz, na qual ficou parte da nossa vida. O tempo perdido da nossa juventude, as angústias e situações por que passamos, nada mais foram que uma morte, para uma parte do nosso ser, na construção da sua completude. Não somos o que podíamos ter sido. Foi uma forma de ser, sendo, num caminhar com as suas circunstâncias.
Porque é necessário expurgar essa “morte”, para sermos o que somos, aceitei elaborar esta “História e vivências da C.CAÇ. 4742/72”, com a colaboração de outros participantes, dado ser um acto fundamental do processo cultural que marcou uma geração;
Assim, será possível:
- Fazer a psicanálise como “catarsis”, enquanto essencial à estruturação e equilíbrio da nossa mente no desenvolvimento das relações sociais;
- Perpetuar a memória de acontecimentos passados, é dar um contributo para a construção de uma cidadania consciente dos agentes sociais e das suas circunstâncias, bem como mostrar aos vindouros as nossas acções, no paradigma existente;
- Prestar homenagem aos nossos entes queridos, que desta vida já partiram, pelo sofrimento e angústia que suportaram, por ver partir os seus filhos, na flor da juventude, para circunstâncias, que, para nós, felizmente com retorno.
Apesar dos contactos e investigações não foi possível recolher documentação oficial sobre a C.Caç. 4742/72.
São apenas contados os factos, com documentação fotográfica, que a memória considerou mais importantes.
Consideramos importante fazer o enquadramento teórico das situações de guerra e da necessidade de encontros/convívio.
Manuel J. Bento Fernandes
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 4
1- INTRODUÇÃO:
“ ANTES MORRER LIVRES QUE EM PAZ SUJEITOS”, foi esta a divisa que guiou a Companhia C.CAÇ. 4742/72. Aqui se vê o sinal que caracteriza todo o sistema militar e que deve guiar todo o cidadão consciente da sua cidadania: lutar pela liberdade, a justiça e a equidade. Agora, como antes, a liberdade é um dos valores da dignidade humana. Não aceitar qualquer poder pessoal ou de grupo, que não tenha aqueles objectivos e que nos subjugue a uma paz podre e sem direito a decidir por nós próprios, mas antes assumindo o sentido de responsabilidade social na defesa dos valores essenciais à vida humana. E nisto o açoriano é como o aço rijo e pedra negra e dura que caracteriza a natureza açoriana e a vida de muitos que labutaram pela identidade nacional e realização pessoal, nas várias partes do mundo.
Porém, nem sempre estes ideais são levados à prática. Consequentemente temos guerras justas, por causas humanitárias e guerras injustas, por interesses individuais ou de grupos restritos, aliados a uma visão política.
Sabemos que a luta pelo poder, fundamento da guerra, da violência, é uma actividade comum ao homem e ao animal, como forma de sobreviver. O comportamento do homem não pode deixar de manifestar o animal residual que persiste em nós. Por isso, a guerra injusta é a manifestação deste residual animal, consequência do conflito de interesse, quer sejam individuais, quer sejam colectivos, não baseados numa ética humanista. O povo Português sofreu este conflito de interesses que se manifestou, mais profundamente, na guerra do ultramar ou colonial, a que outros chamam de libertação.
Todas as sociedades têm, em maior ou menor grau, a obsessão de insegurança e de vulnerabilidade que as leva à luta constante. O conflito de interesses individuais, a luta pelo seu “habitat”, a defesa do “seu” território, da sua identidade, leva à exclusão do “outro”, pelo que, depois, se instala a luta pela sobrevivência. O modo e técnicas de guerra são mais um facto da sociedade, vivência em grupo, que um dado da espécie, da natureza dada. Cada época, e cada cultura, organizam as suas formas de defesa/guerra. Por isso, a guerra é a continuação da política pelo uso das armas, e consequentemente, deve-se mais à universalidade da cultura e não à natureza humana, como alguns teóricos defendem.
A guerra Os 4 alferes em paz contratualizada ou em cooperação
Como dizia Hobbes, a sociedade é a “guerra de cada um contra cada um”, por isso, só a contratualização levaria à paz.
A criação de territórios e a sua posse, com a exclusão de outros, e as formas de o defender são a base dos sistemas políticos, organizados em instituições com poder.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 5
Assim, o poder é um feixe de relações de múltiplas polaridades. Daqui, muitas vezes a ambiguidade do poder: tendo por base a competição e a luta política, aparece também como forma de contê-la, criando a paz. Muitas sociedades, face às suas carências preferem a cooperação à guerra, dado que nenhuma sociedade deve ser uma ilha.
Porém, com a estruturação e complexificação das sociedades, as estratégias políticas e construção das sociedades baseadas no direito, levou a modos conflituantes da organização das sociedades humanas. A História das guerras tem comprovado esta tese.
Mas, porque o homem é, muitas vezes,” lobo do homem”, teve necessidade de se organizar numa estrutura jurídica na base de direitos e deveres. Daqui a origem do Estado de Direito, onde os indivíduos se sentem irmanados nos valores e motivações e tratados com equidade de forma a assegurar o bem social, ou seja, a justiça e a segurança. Ora, muitas vezes os interesses individuais confundem-se com os interesses sociais, gerando o conflito. Consequentemente, a necessidade de instituições que consigam, ou, pelo menos, procurem assegurar esses direitos individuais e o bem-estar social. Se num Estado umas instituições procuram a adesão pelo processo sócio-cultural, (Aparelhos Ideológicos do Estado, no dizer de Althusser), outras estão orientadas para o uso da força (Aparelhos Repressivos do Estado) face ao não cumprimento da norma vigente. Destas instituições, a Instituição Militar, geralmente dominada pelo poder político, foi aquela que mais se impôs na defesa das normas vigentes, muitas vezes esquecendo-se do contexto da sociedade internacional, como aconteceu na Guerra do Ultramar, para lá dos duas guerras mundiais.
1.1 - História das Guerras no Séc. XX, com participação das tropas portuguesas
A instabilidade social e económica nacional ou internacional levou, ao longo dos séculos, a diversas situações de guerra. A guerra e a paz são situações sociais comuns quando a vontade de domínio se estabelece entre os homens.
No séc. XX salientamos três situações que muito contribuíram para a ruína ou grandeza dos povos. A dispersão demográfica e o centralismo político assumem aqui a sua função primordial. Se uns povos são devastados, outros, pelas circunstâncias, são levados a um maior desenvolvimento sócio-económico e industrial.
Portugal pouco beneficiou, em termos de desenvolvimento, do fenómeno das guerras.
1.ª Guerra Mundial:
Portugal teve muitas reticências em entrar nesta guerra. Como a ameaça sobre o nosso império colonial, por parte das forças germânicas, era real e como a Inglaterra requisitou ao governo português os navios alemães surtos nos portos do continente, ilhas e ultramar, a Alemanha declara guerra a Portugal. O corpo expedicionário, organizado por Norton de Matos, é formado e enviado para as trincheiras de França, em Janeiro de 1917.
Face à instabilidade governativa e conflitos sociais, o corpo expedicionário vê-se sem apoios e sem substituição. Por isso, não admira a derrota da La Lys, em 9 de Abril de 1918.
2ª Guerra Mundial
Nesta guerra a posição portuguesa é de defesa enérgica da nossa independência em relação ao conflito. Portugal evita participar ao lado de qualquer dos blocos em guerra: de um os Aliados, do outro as potências do eixo Berlim-Roma.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 6
Porém, a importância estratégica dos Açores e Cabo Verde, para os beligerantes, é fundamental. Os Ingleses e os Americanos desejam instalar-se nestas posições. As negociações decorrem e depois de Portugal conceder o desembarque, nos Açores, aos Ingleses, com base na aliança, Portugal vê-se na necessidade de estabelecer também um acordo com os Estados Unidos, como contrapartida para o apoio na defesa de Timor-Leste, que havia sido ocupado pela Austrália e depois pelos Japoneses.
Para defesa das posições portuguesas, nos Açores, são enviados contingentes militares, entre 1942-44.
Guerra Colonial
Ora com o evoluir das sociedades e da consciência cívica da autonomia e dos direitos e liberdades, os povos começaram a querer definir o seu destino sem subjugação aos colonizadores. Depois da 2.ª Guerra Mundial a ONU reconheceu o direito a autodeterminação de todos os povos. Portugal tentou resistir a este reconhecimento, para as suas colónias. Porém, a criação dos movimentos de libertação de luta pela independência, levou, necessariamente, à guerra. Estávamos em 1961. É neste ano que se inicia a guerra na Índia, depois em Angola. Em 1963 inicia-se na Guiné e 1964 em Moçambique.
Até 1973, a guerra colonial, virá a mobilizar, 147. 000 combatentes, entre estes estiveram muitos naturais de cada província.
Nesta perspectiva, quase todos os mancebos da década de 60 e 70, foram tirados do berço da sua terra natal, para participarem nas guerras desencadeadas pelos movimentos de libertação, quer em Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, Índia e Timor e Macau.
Contudo, parece-nos que a Guerra do Ultramar ou colonial foi uma guerra muito subversiva, pois, para conseguir neutralizar a guerrilha, para além de a combater no terreno, são necessárias alguns procedimentos, nomeadamente, tentar cortar as suas linhas de apoio e abastecimento, em especial quando este vem de países vizinhos, casos da Guiné, Angola e Moçambique. Por isso, a acção psicológica nas tropas e nas populações era importante. E nisso a estratégia militar foi ágil ao criar quartéis ao longo das linhas de entrada do, dito, “inimigo”.
1.2- Origem da Guerra Colonial, uma opinião
Diz Guus Meijer e David Birmingham ( 2004) “…. A legislação discriminatória portuguesa, em especial o Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias de Angola, Moçambique e Guiné, separava as populações nativas de uma pequena elite de indivíduos 'civilizados' (ou 'assimilados') que gozavam de alguns dos direitos dos cidadãos portugueses. Em 1961, depois do início da luta armada de libertação, o estatuto foi revogado, mas as mudanças eram somente superficiais. A política portuguesa de discriminação racial e cultural teve um impacto profundo e duradouro no posterior desenvolvimento social e político de Angola como estado independente. As divisões sociais criadas pelo colonialismo continuaram a exercer uma influência forte nas relações entre grupos e nas atitudes individuais. A desconfiança racial manifestava-se nos conflitos entre os movimentos de libertação e nas tensões no seio de cada um dos movimentos. Os interesses opostos de populações rurais e populações urbanas são também, em parte, outra fonte de tensão que a Angola independente herdou do estado colonial.”
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 7
2- FORMAÇÃO DA C. CAÇ. 4742/72
Todo o cidadão nacional tem a obrigação de servir a sua Pátria e os valores fundamentais que defende. Era esta a norma vigente ao longo dos tempos. Uma vez incorporados, a partir da inspecção e chamados a cumprir o serviço militar obrigatório, (muitas vezes interrompendo os estudos) começávamos por ser recrutas/praças e depois, quem tinha estudos, aspirantes a qualquer patente militar. Enquanto uns, com o 7.º ano ou mais, iam para Mafra, fazer a recruta e a especialização como aspirantes a oficiais milicianos, já outros, os que tinham até ao 5.º anos ( 9 .º ano, hoje), iam fazer a recruta nos Quartéis da Escola de Sargentos, como Tavira, Caldas da Rainha, Santarém e Vendas Novas, (qual deles o melhor). Os que não tinham estudos iam para diversos quartéis fazer a formação em “ tropa macaca”, soldados rasos ou especialistas.
Durante a recruta/especialidade Emblema da EPI- Mafra
no quartel/convento de Mafra
Depois de três meses de recruta a doer e concluída a especialidade durante mais três meses, quer como aspirante a oficial, em Mafra, para uns, ou como aspirantes a furriéis ou sargentos, em Tavira, Caldas da Rainha, Santarém e Vendas Novas ou até Tancos, para outros, tínhamos de ir formar uma companhia, para receber guia de marcha para uma das colónias portuguesas.
Assim, em 17 de Junho /72, dá-se a chegada ao BII-17, ( actualmente, RG n.º1, criado pelo Decr. Lei 50/93, 26 de Fevereiro) que se encontrava localizado na Fortaleza de S. João Baptista, no Monte Brasil, Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, de um grupo de aspirantes a oficiais (1 tenente miliciano e 4 aspirantes a oficial miliciano) e de aspirantes a furriéis, três por pelotão, para iniciar a formação da companhia com as praças vindas de várias ilhas dos Açores. Deve salientar-se que os aspirantes a furriéis especialistas, bem como alguns soldados continentais especialistas, não chegaram a ir aos Açores (ou foram mais tarde), dado terem ficado no continente a tirar os respectivos cursos de especialização próprios de uma Companhia independente, ( cfr. Lista, em anexo).
A Companhia ficou definitivamente completa, com excepção dos africanos, quando deu entrada, em Brancanes – Setúbal, para fazer o IAO.
Feita a instrução da recruta e da especialidade, uma nota circular da Secção Administrativa e Mobilização de Pessoal/ 1.ª Rep. EME/ME, determinou que a C.CAÇ 4742/72, cumprisse a sua comissão de serviço no Ultramar, na Região Militar de Angola, mas só quando desembarcamos em Luanda, o Cap. Pimenta recebeu uma carta do Comando Militar de Angola, onde se indicava qual o nosso destino, especificamente no LUFICO, nos próximos dois anos. O Cap. Pimenta ficou desiludido, pois já conhecia a zona e os seus perigos, por ter estagiado neste local.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 8
Sé de Angra e ao fundo o Fortaleza, Quartel Portão de Armas da Fortaleza S. João Baptista
e o Monte Brasil
BII-17 ( R G n.º 1) e a praia da Silveira Vista geral da fortaleza de S. João Baptista e
Quartel do BII-17 (actual RG. 1)
Edifício do comando e messe com a parada Casernas (aqui esteve exilado o régulo Gungunhana ( 1896))
Feita a recepção pelo Comandante e oficiais e visitadas as instalações, somos presenteados com uma actuação de Carlos Alberto Moniz e Maria do Amparo……….
Constituídos os pelotões, definidas as funções militares de cada um, deu-se inicio à instrução da recruta e da especialidade dos soldados, A instrução decorreu de forma a adaptarmos as praças aos possíveis perigos da guerra. Desde a preparação física, à psicológica, para cumprir as exigências necessárias, foram 6 meses que permitiram uma sã convivência com a humildade e prontidão dos soldados vindo das várias ilhas dos Açores.
E quão difícil foi entende-los nos primeiros tempos….
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 9
Instrução no Monte Brasil - Angra Largada do toiro à corda.
Parada militar junto da Igreja S. João Baptista, Desfile dos pelotões, na parada do BII-17 para
desfile de despedida centro da cidade de Angra do Heroísmo
Passando revistas às tropas, no BII-17 Apresentação do pelotão
Brasão de Armas da BII-17, actualmente
RG, n.º1 (Despacho Nº33/CEME/98) Estandarte do Regimento de Guarnição, n.º I - Angra
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 10
Contudo, a nossa presença, na ilha Terceira, não era só instrução militar no BII- 17, actualmente, Regimento de Guarnição n.º 1.
Mas havia tempo para ir a Base Aérea Americana, nas Lages, às compras; dar uns mergulhos na praia da Silveira; ir às touradas à corda em algumas aldeias e às festas tradicionais do Divino Espírito Santo; frequentar os restaurantes da baixa de Angra do Heroísmo, e os seus saborosos pratos de peixe, bem como festas particulares e comer umas santolas ou sapateiras que o Soldado Rosa se encarregava de pescar……
Os aspirantes a oficial na praia da Silveira Uma das capelas do Divino Espírito Santo
Mas na vida tudo tem o fim. A hora da despedida da Companhia, da Ilha Terceira, tinha chegado, de acordo com as directrizes superiores. Terminada a especialidade, houve desfile desde o BII 17, na Fortaleza de S. João Baptista, até à Praça da República, defronte ao edifício da Câmara, onde se procedeu à bênção do Guião da Unidade, como aliás era habitual com outras companhias que nos antecederam. Depois desta cerimónia toda o pessoal foi de férias para suas casas. Segundo conta o Rosário, os continentais fizeram a viagem de barco até Lisboa, com escala na Madeira. Foi uma viagem horrível, com o mar bastante alterado. Era Dezembro!. O Costa fez toda a viagem no convés constantemente a chamar pelo "gregório". Bem, os outros também não vinham melhor. Após as férias, já em Janeiro, todo o pessoal se apresentou em Brancanes, aguardando os Açorianos. Em Brancanes a Companhia demorou bastante tempo a estar completa, para se iniciar o IAO, devido à dispersão dos soldados pelas várias ilhas e às condições de agrupamento, face às condições climatéricas, naquela altura.
Entretanto, o Alf. Fernandes já tinha vindo para o Continente, dia 6 de Novembro, para, durante um mês, fazer “Operações Especiais”, no quartel de Lamego, no CIOE, onde também o Fur. Martins cursou, durante 5 meses, nos "Ranger’s”.
2.1 - Realização do IAO em Brancanes - Setúbal
Nenhuma companhia embarca para a guerra do ultramar sem realizar o IAO. Neste sentido a Companhia de Caçadores 4742/72, formada no Batalhão Independente de Infantaria 17, de Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, Açores, e composta por ilhéus e continentais, chega à Metrópole em 15 de Janeiro de 1973, com destino à Brancanes, Quartel de Artilharia de Costa, na Arrábida, Setúbal, onde fez a “Instrução de Aperfeiçoamento Operacional” (IAO) até ao dia 29 de Março de 1973, altura do embarque para Angola.
As paisagens, a Serra da Arrábida, permitiram-nos uma possível melhoria das performances de guerra.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 11
Na parada em Brancanes, com a farda de gala Apresentar armas com farda de trabalho
2.3- Embarque para Angola
Terminados os seis meses formação da companhia, nos Açores, feito o IAO em Brancanes – Setúbal, dia 29/3/73, dirigimo-nos para o aeroporto de Lisboa, onde pelas 23, 45 h embarcamos para Angola,
Depois de 8 horas de viagem lá chegamos a Luanda. Daqui seguimos em comboio militar para o Campo Militar do Grafanil, onde permanecemos até ao dia 5 de Abril de 1973.
Já ouvi muita gente chamar-lhe campo de concentração, na verdade era ali que davam entrada todos os militares que vinham da Metrópole e os que regressavam já depois da comissão cumprida, mas daí a chamar-lhe “campo de concentração” na acepção mais dura da palavra vai alguma distância, pois lá havia cinema ao ar livre, bares ao ar livre onde na sombra de chapéus de palha se degustavam cervejas (cuca e nocal), e até uma igreja havia com o altar embutido num embondeiro.
Capela no embondeiro, Grafanil
Contudo, não podemos esquecer o primeiro dia e primeira noite neste campo militar do Grafanil. Saindo do Continente no início da Primavera, não contávamos com o calor e humidade de Luanda. A adaptação criou muitos suores. Mas o pior estava para vir à noite. Apesar de casernas e messes estarem protegidas por mosqueteiros, a esquadrilha de mosquitos não parava de circular e bastava virarmo-nos ou deitar um braço fora do lençol e ficar encostado à rede e aí estavam eles a atacar. No dia seguinte era ver os inchaços das picadelas.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 12
Baia de Luanda Entrada e casernas do quartel do Grafanil
Foi aqui que recebemos as primeiras instruções sobre a sobrevivência na zona de guerra /mato. Foi nestes dias que a Companhia recebeu mais 40 praças locais, para distribuir 10 por cada pelotão, bem como todo o material auto e de guerra, próprio do inventário de uma companhia independente.
3- IDA E ESTADIA NO LUFICO :
Atribuído todo o equipamento, desde rações de combate às viaturas (com condutores temporários, “mais experientes”, dado os soldados condutores açorianos terem ficado a fazer formação) e as armas, lá nos dirigimos, em 5 Abril de 1972, em coluna militar para o Lufico, no Norte, quase fronteira com o Congo – Belga, onde chegamos ao fim do dia, já noite escura.
Vista aérea geral do quartel do Lufico, com a pista e o campo de futebol e a “picada” para Tomboco
Placa de entrada no Lufico Messe de Sargentos
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 13
3.1- Localização e História
Vestígios de presença humana encontrados em algumas regiões, principalmente Luanda, Congo e Namibe, demonstram que o território angolano é habitado desde a pré-história. Nos primeiros 500 anos da era actual, os povos bantu da África Central, que já dominaram a siderurgia do ferro, iniciaram uma série de migrações para leste e para sul, a que se chamou a expansão bantu.
Um desses povos veio-se aproximando do Rio Congo (ou Zaire), acabando por atravessá-lo já no século XIII e instalar-se no actual Nordeste de Angola. Era o povo quicongo (ou kikongo).
No século XIII a estruturação social e política de alguns destes grupos origina o reino do Congo e de outros reinos, que deram ao território uma organização política e social equilibrada.
Actualmente o norte de Angola é habitado exclusivamente por povos bantos e nele se pode observar uma relativa homogeneidade étnico-linguística. Distinguem-se, no entanto dois sub-grupos étnico-linguísticos: o “KiKongo” e o “Kimbundo
Ao sub-grupo Kikongo pertencem os povos Mussuco, Pombo, Muxicongo, Mucongo, Muzombo, Muiaca e Mussorongo.
O clima no Norte é tropical. Há duas estações distintas: uma quente e húmido em que os níveis de pluviosidade são bastante elevados, e outra mais fria seca, denominada cacimbo.
3.2- A Nossa Presença
Zona do LUFICO em Guerra, com as zonas de penetração do IN
Comparar este mapa com o seguinte para ver o aumento das sanzalas na ” nossa” zona de acção.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 14
Mapa actual da zona do Lufico.
(Nota: deve referir-se que actualmente já há sanzalas em zonas que nós patrulhávamos e estavam sem população. Mpala será agora Cambi e Cabeço da Velha será agora Ganda?)
O Lufico era um quartel isolado no meio do mato, conforme se verifica no mapa, onde as distâncias aos outros quartéis eram: Lufico – M’Pala – 40 Km; Lufico – Tomboco – 70 Km; Lufico – Ambrizete (N’Zeto) – 150 km, orientados sempre numa perspectiva de cortar as linhas de entrada do IN.
Verifica-se que actualmente já foram instaladas diversas sanzalas na zona.
A zona do Lufico era considerada das mais perigosas, dada a passagem dos “ turras” para outras zonas (cfr. mapa) e minas e ataques às companhias anteriores. As “picadas” / estradas de terra batida, tinham de ser bem vigiadas para não sofrer ataques. Muitas vezes, como aconteceu, na picada para M’Pala, os turras passavam e deixavam, na picada, as perigosas minas anti-carro. Por isso, algumas vezes, a coluna militar era feita a pé ou “picando” as “rodeiras” das viaturas. As viaturas/ “ burros do mato” no tempo das chuvas tinham dificuldade em passar. Só os guinchos permitiam uma saída dos lamaçais. A passagem dos rios era feita por pontes, algumas delas improvisadas e de madeira.
Porque criamos a ideia (acção psicológica), na sanzala de Tomboco, de que os açorianos eram destemidos e rigorosos no cumprimento das ordens, nunca fomos, directamente, atacados.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 15
O Rosário fazendo Acção Psicológica Descansando no Lufico,
Tomboco era a sanzala (aldeia), mais perto e ficava a 70 quilómetros. Era aqui que íamos receber quinzenalmente, as viaturas civis, o MVL – Movimento de víveres e logística, que vinha de Luanda para nos reabastecer de alimentos e outras necessidades. A coluna de viaturas com o MVL e as militares continuavam a sua marcha para os batalhões/companhia na direcção de S. Salvador ( M’Banza Congo, actual)
Sabia-se que muitos dos guerrilheiros viviam e tinham família na sanzala de Tomboco e com quem tínhamos contacto, quinzenalmente.
As primeiras viagens a Tomboco e na deslocação para as operações militares, os condutores das viaturas foram “emprestados” pelo quartel do Grafanil, pois os nossos condutores, açoreanos, ficaram a fazer formação.
Na primeira deslocação ao Tomboco, o condutor Paulo, africano, (tão “maçarico”, como os nossos), numa curva, não conseguiu segurar o unimog, despistou-se, tendo o pessoal do 1.º pelotão, em que se incluía o Alf. Fernandes, saltado e alguns soldados ficaram, ligeiramente, feridos, tal como o soldado Sales, angolano, que bateu com o sobrolho no chão e foi evacuado para S. Salvado tendo os enfermeiros aplicado os medicamentos, marca LM (Laboratório Militar) para suster as dores. Até o Alf. Fernandes partiu os óculos, pelo que teve de andar sem eles, até à ida de férias.
Os 4 alferes milicianos, ( da direita para a esquerda): Fernandes, Prata, Magalhães e Marques,
junto da messe e do obrigo das valas
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 16
Todos os militares gostavam de ir a Tomboco ou Ambrizete, e ali chegados, enquanto se esperava pelo MVL, com os mantimentos, uns dirigiam-se ao comércio local, em especial, como diz o Rosário, “ o do Sr. Costa, natural de S. João da Madeira e que até alguns furriéis procuraram “namorar” as suas duas filhas, estudantes em Luanda. O Senhor Costa era um fino comerciante. Vendia de tudo. Desde roupa, calçado, géneros alimentícios, artigos de drogaria, ferramentas. Era um autêntico centro comer-cial a condizer com o local e a época. Não facilitava muito nas contas. Observei-o, diz o Rosário, algumas vezes e era sempre a lixar o “preto”. Outro comerciante era o Senhor Abel, natural da zona de Chaves, onde íamos quase sempre almoçar e jantar quando nos deslocávamos ao Tomboco. Sempre churrasco bem carregado de ” jindungo”, a convidar a boa cervejinha “nocal”, fresquinha. O cozinheiro era um nativo. O tipo de comércio era o mesmo. Havia de tudo.
O Sr. Abel tinha uma serração, que muito útil nos foi, para serrar alguns troncos de madeira “amoreira angolana”, que serviram para decorar a sala dos soldados e arranjos nas messes, assim como, para alguns graduados fazerem caixotes, no fim da comissão, para transportar alguns bens/compras, em “pau-preto”, que despacharam para o continente.
Mas, para lá destes petiscos e de algumas utilidades, outros “petiscavam” e matavam a sede de outra coisa e dirigiam-se à sanzala, porque “um homem não é de pau”. Passar 22 meses em isolamento é obra… por isso nada de estranhar…
Posto de observação na sanzala de Tomboco O Alf. Prata em acção psicológica no Tomboco
O MVL era o conjunto de viaturas /camiões civis, mas que precisavam de ser escoltados por carros militares para não ser assaltados e roubados. Estes comboios chegavam a ter 10/15 carros civis e 20/30 viaturas militares em escolta.
Lembramos que um dos condutores do MVL do nosso reabastecimento teve morte súbita, já no nosso quartel. Depois das formalidades legais, só dois dias depois foi transportado, em coluna militar, para o Tomboco.
Os “burros do mato” eram o nosso meio de transporte. Estes veículos foram os mais utilizados na guerra colonial. Eram os Unimog, sigla derivada da designação alemã UNIversal-MOtor-Gerät, que significa “veículo universal a motor”.
O Unimog 411, logo foi apelidado pelos militares de “burro do mato” porque as suas características o assemelham àquele animal. Tal como o burro, este Unimog era pachorrento, máximo de 53 Km/hora, mas não havia lugar a que ele não chegasse, apesar de dotado com um motor a gasóleo de 4 cilindros, 1767 cc, e de apenas 34 cv., raramente lhe faltava a força suficiente para subir as mais íngremes e lamacentas picadas em que nas épocas de chuva se transformavam os itinerários no norte de Angola, devido ao elevado binário nas velocidades mais baixas. O consumo não era
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 17
nada comedido, pois não se contentava com menos de 12 litros por cada 100 km percorridos.
O outro irmão do 411 era o Unimog 404, com um motor a gasolina de 6 cilindros, 2195 cc, 82 cv. de potência, velocidade máxima de 95 Km/hora e que consumia cerca de 20 litros por cada 100 km percorridos. Este não era um burro, mas uma verdadeira “besta”.
Colunas de protecção ao MVL
O perigo das colunas militar numa ”picada” a pé
Outras vezes tínhamos que ir buscar o MVL a Ambrizete ( hoje N’Zeto), junto ao mar, a 150 km.
Algumas vezes, foi necessária a participação de aviões e helicópteros na protecção ao MVL ou na vigilância.
A DO, na “nossa” pista, com 3 oficiais A Avioneta de reabastecimento, no laranjal, depois do
da companhia e o piloto despiste, pelo aparecimento de um cão
Os alimentos frescos eram recebidos através de uma avioneta civil, cada oito dias e que os graduados aproveitavam para ter boleia, para S. Salvador, quando iam de férias. Em S. Salvador tínhamos que esperar pela boleia de algum avião militar, geralmente os “Nord-Atlas”, ou barriga de”Gjinguba”, como era conhecido pelas suas formas.
Mas com esta avioneta aconteceram dois acidentes.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 18
Num deles, o Cap. Pimenta deslocava-se para férias, e quando a avioneta, já seguia a meio da pista e em plena aceleração, lhe surge o cão “lufico” a correr na pista, em direcção à avioneta. Dá-se o choque com uma das rodas. Perante o choque, a avioneta despista-se para o lado direito, indo bater no laranjal. (cfr. imagem acima). Felizmente foi só o susto e alguns danos. No outro caso, era transportado o soldado mecânico Vieira, conhecido por GT. Na aterragem o aparelho faz-se à pista já a meio e pelas travagens, num verdadeiro salto, foi estatelar-se na pequena mata que ficava no topo da mesma. Acorremos em socorro, quando nos deparamos com o piloto e o acompanhante Vieira, a sair sãos e salvos. Apenas escoriações, graças a Deus.
Muitas vezes os pilotos com a DO apareciam no nosso quartel. Para mostrar as potencialidades destas DO da Força Aérea, o piloto, muito brincalhão, gostava de nos pôr à prova e fazer piruetas e voos rasantes na pista e até no campo de futebol. Uma vez, com o Alf. Fernandes, como acompanhante, o piloto teve que fazer um levantamento picado, para não embater no depósito de água.
3.2.1- A vida no quartel
As instalações do quartel já estavam construídas, na generalidade, pois fomos substituir outra companhia. A vida no quartel, inicialmente, decorria na elaboração e realização do plano de acções de vigilância da mata, para que os “ turras” / guerrilheiros da FNLA ( de Holden Roberto) não atacassem os quartéis ou as sanzalas ou fossem até Luanda. Havia itinerários específicos por onde os guerrilheiros passavam.
(A UNITA, de Savimbi, estava implantada mais para leste e o MPLA, de Agostinho Neto, estava quase só nas cidades.)
Depois de chegados ao Lufico, feitas as acomodações para bem-estar, a companhia decidiu que eram necessárias valas e abrigos para possível defesa dos ataques da guerrilha. Assim, uma das actividades, para lá do cumprimento rigoroso do mapa das “operações”, foi a construção das valas e abrigos em volta do quartel. Esta construção durou alguns meses e serviu também como forma de manter todo o pessoal activo, tanto física, como mentalmente, embora não fosse muito do nosso agrado todo esse trabalho, tendo até havido conflito entre açoreanos ( mais trabalhadores) e os nativos de Angola, mais preguiçosos e “baldas”.
Igualmente, foi construída uma arrecadação, que para alguns serviu de prisão, momentânea!, uma vez que a vida em sociedade militar exige rigor das regras e hierarquias.
A preparação de uma “berliet” como “rebenta-minas” foi, igualmente, umas das primeiras actividades. Chapa de ferro e cimento protegiam os dois atiradores que apontavam a metralhadora.
A “berliet” rebenta minas A pista e o arame farpado, com o início da construção das valas
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 19
Como éramos destemidos, muitas vezes saíamos a poucos quilómetros do quartel para fazer a caça à pacaça ou ao javali, para satisfação económica do vagomestre.
Junto da pista, lado oposto ao quartel havia em laranjal, que nos abastecia de fruta, na época, para lá de nas “operações” colher outras frutas locais. A quantidade de laranjas era tal que os quartéis vizinhos, como M’Pala, eram também abastecidos de fruta.
A lavagem da roupa, não podia deixar de se fazer. Cada um tinha de lavar a sua roupa ou, no caso dos sargentos e oficiais, pagavam a um soldado para fazer esse trabalho. O Pacheco era o que mais roupa lavava. Para isso contávamos com os lavadouros comuns.
Lavagem da roupa Grupo de Furriéis
O Cap. Pimenta conversa com o Fur. Rodrigues, no bar Equipa do 1.º pelotão a fazer faxina à cozinha
A Equipa da secretaria, Sarg. Maldito, sold. Abreu Os 4 especialistas que não faziam “mato” ( Fur. Enfermeiro;
e sold. Luís Correia Fur.Transmissões; Fur. Mecânico; e Fur. Vagomestre
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 20
Festa na messe 3. Oficiais em fato de gala junto à messe
3.3- Descrição das operações
Porque a guerra não se compadece com o descanso, todos os meses, cada pelotão, realizava uma ou mais “acções/operações” de vigilância na “mata”. Estas acções de vigilância das matas, um pelotão cada 8/15 dias, decorriam durante 3 / 4 dias, alimentados apenas a rações de combate e percorrendo diversos quilómetros por dia, debaixo de chuva ou calor, por matas virgens ou pântanos cheios de mosquitos e jibóias, ( que pareciam ramos das árvores) ou atravessando rios.
Alf. Fernandes e os furriéis Rosário e Martins Os alf. Magalhães e Prata descansam no mato.
do 1º. Pel. c/ a G3, preparados para mais uma operação
Graduados do 1.º e 3.º Pelotões em Tomboco Observando a jibóia com o cabrito
Segundo refere o Fur. Martins, na segunda semana de Abril (+/-), o Alferes Fernandes foi até à companhia, que estava sediada em M' Pala, fazer um estágio, para obter alguns conhecimentos, teóricos e práticos, para substituir o Comandante da Companhia, na sua ausência.
Nesta altura o Furriel Martins ficou a comandar o 1.º pelotão.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 21
Tal como se referiu, de 8 em 8 dias, um dos pelotões saía, segundo um mapa, previamente definido e aprovado superiormente, para fazer “operações” de vigia.
Mapa para a orientação nas operações de vigilância, Norte do Lufico c/ a localização do local da mina despoletada, bem como o local de encontro com as camas do “IN”.
Assim, uma vez instalados no quartel do Lufico e elaborado o 1.º mapa das operações no terreno e segundo dados fornecidos pelo Furriel Martins, do 1.º pelotão, (que anotou as datas e locais das operações), foi realizada, pelo 1.º pelotão, nos dias 27, 28 e 29 de Abril, a primeira operação de vigia, ao longo do espaço destinado à companhia, já com o Alferes Fernandes presente, especificamente no Forno da Cal, uma das partes mais difíceis de vigiar, que ficava a Nascente do Lufico.
Descrevem-se a seguir, segundo o Fur. Martins, algumas das várias operações realizadas pelos 1.º e 3.º pelotões. ( faz-se referência a elas para recordar os nomes das zonas).
Assim, nos dias 14, 15 e 16 de Maio, é novamente o 1º Pelotão, a fazer mais uma operação. Desta vez foi para a zona dos Ananases e Mata de Ginguba.
Não sabendo os dias certos, mas no mês de Maio de 1973, o 3º Pelotão, numa das operações e com o capitão Pimenta incorporado, perdeu-se, no meio do mato, não tendo chegado à picada na data previamente combinada. Já de noite e depois de troca de tiros, de sinalização, entre o 3º Pelotão e o 1º Pelotão, que os tinha ido recolher, lá chegaram à picada.
Em Junho de 1973, o 1º Pelotão, faz uma operação de 4 dias na entre a zona de Bragança e as 30 Cubatas.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 22
Pessoal do 1.º pelotão observando Um grupo depois de uma operação
a jibóia morta, na limpeza do capim
Felgueiras e Rosário coma jibóia Até o pessoal da secretaria ia fazer operações !!!
Para alegria de todos os militares, nos dias 21 e 22 de Julho de 1973, o 1.º e 2.º pelotão, em vez de ficarem, em Tomboco, a recolher o MVL, deslocaram-se para Ambrizete, pela primeira vez. Aqui, todos nós aproveitamos para fazer praia, em cuecas, bem como comer uma boa refeição fora do quartel, no restaurante local.
Nos dias 30 e 31 Julho 1973, passa pelo Lufico, grande parte do Batalhão, que foi render o Batalhão, em fim de comissão em Nóqui.
Nos dias 22, 23 e 24 Agosto 1973, mais uma vez o 3.º Pelotão, comandado pelo Furriel F. Martins, vai realizar a “operação” na zona do Rio Lué-Grande.
Deve referir-se que numa das viagens a Tomboco (2 de Setembro de 1973), no retorno do MVL ao Lufico, o Administrador local, com os seus 3 filhos, o Amaro, mecânico civil da JAEA e 4 militares das milícias/guarda-costas, num jipe, seguiram alguns quilómetros o nosso MVL (1.º pelotão), ficando depois a caçar. Soubemos, depois, que tinham sido todos assassinados barbaramente, pelos “ terroristas”, que o conheciam bem. Quando soubemos do ataque, a nossa Companhia, com o 1º Pelotão, ainda comandado pelo Fur. Martins e com reforço do 4º Pelotão, foram para a zona de Lué Grande, onde permaneceram durante a noite. A Companhia sediada no Tomboco, como os pára-quedistas e comandos fizeram uma perseguição. Foi apenas encontrado o rasto do grupo, com vestígios de sangue, em direcção ao Zaire, ex-Congo Belga. Provavelmente, alguns ter-se-ão refugiado na sanzala de Tomboco, de que eram originários.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 23
Estado em que ficou o jipe do Administrador O alf. Prata fazendo acção psicológica em Tomboco
Nos dias 5, 6, 7, 8 de Setembro de 1973 o 1.º pelotão foi realizar uma operação, já com o Alf. Fernandes incorporado, para a zona do Forno da Cal, com passagem pela floresta quase virgem e o rio, atravessando até chegar à “picada que liga o Lufico a Tomboco. Como refere o L. Rosário, esta operação, a que nós chamávamos de "Volta ao Mundo", era realizada por todos os pelotões, mais que uma vez. Eram 4 dias de mata com um percurso extensíssimo e que deixava todo o pessoal extenuado. O 1.º pelotão cumpriu a mesma na íntegra. Apesar de, na manhã da recolha, todos estarem a pensar que já estávamos no local (confusão da picada), quando nos apercebemos que ainda faltava muita caminhada. Quando avistámos a picada, para o Tomboco, o Pacheco, com o contentamento, puxou a culatra atrás da HK21 e fez uma rajada de metralhadora para o ar. Mas no dia previsto para a recolha lá estávamos nós no local estabelecido.
Zona do Forno da Cal, a nascente do Lufico, c/ os locais de passagem do “IN” assinaladas.
A vermelho as picadas pelo capim e mato. A azul os rios que tínhamos que atravessar.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 24
No dia 10 de Setembro de 1973, houve troca do furriel Fernando Martins, do 1.º Pelotão, pelo Furriel António Pereira. Neste sentido, agora serão relatadas as operações do 3.º pelotão.
Preparação da coluna militar O “rebenta-minas”, na frente de uma coluna militar
A partir de Outubro a companhia é destacada para fazer protecção à JAEA, na construção da estrada entre Tomboco e S. Salvador ( hoje, N’Banza Congo ).
Assim, de 22 de Outubro a 18 de Novembro de 1973, o 3.º pelotão vai permanecer destacado em Tomboco.
Por um lado, foram 25 dias maçadores, uma vez que das 08,00 h às 12,00 h e das 14,00 h às 17,00 h, apenas estávamos junto do pessoal que trabalhava na construção da estrada, ou nas imediações ou andar de carro no sentido ascendente/descendente e vice-versa. Ao fim do dia havia ainda o trabalho de armadilhar as viaturas.
Por outro lado, como durante o dia dava para dormir, as noites eram passadas a jogar cartas, desde a “lerpa”, “King” e outros. Ou até receber “visitas” de algumas “meninas”.
Nos dias 23, 24 e 25 de Novembro de 1973, o 3.º pelotão realiza mais uma operação na zona de 30 cubatas - Picada de Bragança.
Nos dias 3, 4 e 5 de Dezembro de 1973, é a vez de o 3º Pelotão ir a Ambrizete.
O Rosário na praia de Ambrizete O jipe onde passeávamos na pista e às vezes na picada
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 25
Rodrigues e Esperto experimentando a afinação do unimog Toque de sentido à bandeira
Entre 19 e 24 de Dezembro de 1973, o 1.º Pelotão e o 3.º Pelotão fazem uma “operação” conjunta na zona do Rio Lué Grande, já no limite da área de vigia, local onde se veio a encontrar um acampamento "dos turras/guerrilheiros", onde se descobriram as camas e carne a secar. Não houve contacto físico, pois os “turras”, ao sentirem a aproximação dos nossos pelotões, fugiram em debandada.
Dia 24 de Dezembro de 1973, faz-se a primeira Ceia de Natal, em terras de Lufico. Aqui o Vagomestre abriu os cordões da bolsa e os cozinheiros serviram-nos uma boa refeição. Não nos lembramos da ementa. Se foi bacalhau, apesar de estar em África ou se foi carne. Mas serviu para comemorar a consoada e lembrar as festas de Natal, no “ Puto” /Continente.
Claro que muitas vezes o vagomestre poupava uns escudos, pois nas operações pelo mato, caçavam-se javalis ou pacaças, etc. dos quais os cozinheiros faziam boas refeições….
Morte do javali Duas pacaças prontas a servir para uma boa refeição
Dias 9, 10 e 11 Janeiro de 1974, novamente o 3º Pelotão, vai percorrer a zona de Lué Grande e nos dias 17, 18 e 19 do mesmo mês em Forno da Cal, a tal operação a que chamávamos “ volta ao mundo”.
Dia 24 de Janeiro de 1974 dá-se o regresso do 1º Pelotão ao Lufico, vindo do Tomboco, por ter terminado o seu destacamento de protecção à JAEA, sendo substituído por outro pelotão.
Por volta dos dias 24 ou 26 de Fevereiro de 1974 o MVL é atacado entre Tomboco e Quimxima, onde vieram a falecer 4 Furriéis, dois soldados e feitos dois prisioneiros, de outra companhia, e que vieram a ser resgatados pelos Pára-quedistas.
Por esta razão, o 3º Pelotão é destacado para uma operação de imediato, dia 28 de Fevereiro, que só termina em 7 de Março. Este facto deu origem a que o mesmo pelotão tivesse de ser reabastecido por avião, a DO. O Alf. Fernandes foi encarregue de
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 26
lançar as rações de combate, depois de ser localizado o pelotão. Esta operação foi na zona do Rio Lué Grande, que era uma zona de passagem obrigatória dos "Turras" com destino a Kinshasa – Congo.
Ainda na sequência destes ataques e por informações militares, o MVL de 30 viaturas civil, foi escoltado desde Tomboco até S. Salvador, como nunca se tinha visto. Entre cada 3 viaturas civis, eram escoltadas por um pelotão. A nossa companhia foi rendida a meio do caminho. Acompanharam o MVL, ainda, duas DOs e dois helicópteros. Na estrada/picada, muitas vezes, era necessário usar os guinchos dos unimogs, para desempanar as viaturas.
Em 23 e 24 Março 1974, nova operação entre 30 Cubatas e Ponte dos 10 e nos dias 27, 28, 29 e 30 entre a Mata do Café e a Ponte dos 10.
Em 16, 17 e 18 de Maio de 1974, nova operação do 3º Pelotão entre Ginguba e a Picada de M´Pala e nos imediatos dias 25, 26 e 27 entre Lué Grande - Picada do Tomboco.
Neste mês de Maio, o 3º Pelotão fez o lançamento do 1º Pelotão na zona do Monte Banzazulo, por ser uma zona que as chefias militares de Luanda afirmarem que passavam os “ turras”.
O 2.º Pelotão desenvolvendo uma “operação” e atravessando os rios M,pozo e Lufico
O Laurentino rádio-telegrafista, do 1.º pelotão Durante uma “operação”, aquecendo as rações de combate
esperando comunicação depois de uma operação
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 27
Ainda, segundo os relatos do furriel Fernando Martins, este, no dia 6 de Junho de 1974, passou novamente para o 1º Pelotão, em virtude de 2 Furriéis do mesmo pelotão estarem de férias e o alferes Fernandes estar a desempenhar as funções de Comandante de Companhia, por férias do Cap. Pimenta.
Nos dias 20, 21 e 22 de Junho de 1974, o 1.º pelotão realiza uma “operação” entre Bragança e Lué Grande e nos dias 26, 27 e 28 entre a Ponte dos 20 e o Monte Banzazulo.
Este mesmo 1ª Pelotão e durante o mês de Junho/1974, realizou: a recolha do 2º Pelotão na zona do Rio Mepozo; procedeu ao lançamento do 4º Pelotão, na zona do Banzazulo e do 3º Pelotão na zona da Ginguba e novamente do 4º Pelotão na zona do Rio Lué Grande.
Entre os dias 22 de Julho a 4 de Agosto/1974, o 1.º pelotão, foi de novo reforçar a Companhia do Tomboco, na protecção à JAEA.
No dia 15 de Agosto/1974 dormimos nas valas, por nós construídas, porque constava que havia possibilidades de sermos atacados. Durante a noite uma das sentinelas comunicou ao capitão que estavam “turras” do outro lado da pista de aviação, junto das laranjeiras. Foram dadas instruções para disparar, para os vultos avistados. De manhã, quando fomos observar, verificamos que eram montes feitos pelas formigas!
Descansando numa operação, 2.º pelotão Não se “ caçam “ “turras” caça-se bichinhos…
No dia 19 de Agosto/1974, o furriel Martins, regressou ao 3º Pelotão,
Por esta altura e estando o Alferes Fernandes de férias no Continente, o 1º Pelotão, comandado pelo Fur. Rosário, numa operação na zona de Forno da Cal, preparava-se para pernoitar no cimo de um morro, como era normal. Diz o Fur. Rosário, que ” jantámos a ração de combate na base do mesmo. Foram feitas 2 ou 3 fogueiras para aquecermos a refeição. Quando se iniciou a escalada fomos surpreendidos pelo fogo em nossa direcção. Fogueiras mal apagadas, vento forte, capim bastante seco e muito denso foi num ápice em que foram atingidos os elementos da cauda da coluna apeada. Houve pânico, cartucheiras a arder com balas a estourarem, rádio Racal ardido, ficámos sem comunicações com o quartel, munições do lança-granadas foguete no meio do fogo, para nossa felicidade nenhuma rebentou. Enfim, um verdadeiro pandemónio, criado por incúria da nossa parte. Como eu seguia no primeiro terço da coluna, apesar desta confusão toda, conseguimos ter o discernimento para fazer um contra-fogo, que pôs a salvo a maioria do pessoal. Resultado: vários elementos com queimaduras graves e algum descontrole e desnorte do grupo. Depois de recuperada a calma, tratamento rudimentar dos feridos e apoio moral aos atingidos, pernoitámos nesse local, sendo recolhidos, conforme previsto, no dia seguinte”.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 28
Em 8 Setembro/1974, domingo, chegou à Companhia uma "mensagem confidencial", através da qual nos era dado a conhecer que terminava a nossa comissão no Lufico.
Entretanto, no fim de Setembro, o Comandante de Companhia, capitão Pimenta, desloca-se a Luanda para fazer os preparativos do nosso regresso, dado que, a 21 de Outubro, devíamos iniciar a nossa retirada para Luanda, onde permaneceríamos até 17 de Dezembro, data do embarque para o continente.
Fica o Alferes Fernandes a comandar a Companhia.
Em 15 de Outubro, de 1974, data do término das hostilidades em Angola, dá-se aquilo que muitas vezes se previa. Numa das operações, pelo 2.º pelotão, na picada que vai para M’Pala, zona da Mata do Café, acontece o rebentamento de uma mina anti-carro. O unimog 404, onde seguia o alferes Prata, comandante do 2.º pelotão, fica com a cabine destruída. (cfr. imagens, em baixo, efeitos da guerra)
O 2.º pelotão, ainda com o soldado Fula presente ( ao meio na 1.ª foto) E estado da viatura
Deve ser referido, que foi este unimog a rebentar a mina, porque a viatura “berliet” chamada “ rebenta minas”, tinha ficado a rebocar lenha para a picada, para transporte para o quartel.
É comunicado o facto ao quartel, o alferes Fernandes, a comandar a companhia, dá instruções para de imediato seguir o 3º Pelotão, que havia ido lançar o 2.º pelotão, reforçado com o 4.º pelotão, para a zona acima referida, em apoio ao 2º Pelotão. Pediu ao Fur. Rosário, como especialista em minas e armadilhas, para fazer a picagem da picada, por mais uns metros há frente, para que na busca do soldado Vaz Alves, não houvesse mais incidentes.
Igualmente relatou os factos, ao comando de S. Salvador e pediu a vinda de meios aéreos para transporte do pessoal sinistrado.
Chegados ao local e após se ter feito um conhecimento, com a finalidade de se verificar como é que se podia actuar e desenvolver um contra-ataque, verificámos que na realidade havia um soldado morto - Soldado Fula, Soldado de Infantaria, era natural da freguesia e concelho de Bula Atumba, da província de Angola, que seguia ao lado do condutor, bem como o desaparecimento de um outro Soldado, o Vaz Alves e vários feridos entre eles o Alferes Prata, com o braço partido. ( cfr. fotos e texto, em baixo)
Os feridos foram de imediato transportados para o quartel e de seguida para S. Salvador e para Luanda. O soldado Bernardo Fula, morto pela acção da mina, foi transportado para Tomboco, de onde seguiu para Luanda. O seu nome está gravado na lápide 163 do Forte do Bom Sucesso, junto ao Monumento Nacional dos Combatentes do Ultramar, em Lisboa.
Perante a situação de desaparecimento do Soldado Vaz Alves, permanecemos na zona, com vários envolvimentos, na busca do soldado desaparecido.
Nada de positivo foi encontrado. Pensou-se, então, que o Vaz Alves havia sido feito prisioneiro.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 29
Perante o anoitecer, os pelotões, regressaram ao quartel pelas 17,00 h.
O certo é que cerca das 22,00 h começou a ouvir-se perto do quartel uns gritos no seguinte teor: "sentinela não atires, sou eu o Vaz Alves, (apelo que foi repetido várias vezes). Felizmente com "alegria" verificámos ser o Vaz Alves.
O que tinha acontecido? No meio do estrondo e do seu lançamento pelo ar, desorientou-se e começou a caminhar em direcção a M’ Pala. Mais tarde, ouvindo o barulho dos outros militares e um elefante morto, numa outra mina, tomou consciência que estava a andar em sentido contrário. Retomou a picada em direcção ao Lufico, não tendo chegado ao contacto com os companheiros.
Depois de recolhido, o Vaz Alves, contou que na estrada, mais 500 metros à frente da mina rebentada, encontra um elefante morto e com uma mão desfeita, por ter pisado uma mina. Aqui se apercebeu do erro no sentido na direcção do quartel.
Neste mesmo dia 15 Outubro, foi recebido no quartel uma mensagem através da qual éramos informados que as hostilidades militares haviam cessado, pelo que devíamos ir preparando a nossa retirada.
A partir desta data, se houvesse contactos com os guerrilheiros, estes deviam ser aconselhados a entregar-se dentro da maior harmonia e fazendo-lhes ver que já não havia hostilidade militar, uma vez que tinha havido um cessar - fogo / fim da guerrilha com os Portugueses.
A partir daqui as operações limitaram-se praticamente à zona periférica do aquartelamento, havendo uma ou outra operação esporádica, para irmos à caça.
Perante mais informações, que entretanto chegaram ao quartel, começámos os preparativos de regresso a Luanda.
No dia 20 de Outubro 1.º pelotão foi ao Tomboco, para proteger as viaturas civis que nos haviam sido destinadas com a finalidade de nos transportar no regresso a Luanda.
Deste modo, no dia 21 de Outubro 1974, parte com destino ao quartel da antiga OPVDCA - Organização Politica para a Defesa de Angola - Junto ao Jumbo, metade da Companhia.
De 22 a 26 de Outubro são feitos os preparativos para o regresso da outra metade, com o armazenamento de todo o material de guerra e outros afins.
No dia 26, um dos pelotões, ainda presentes, deslocou-se a Tomboco, para proteger as viaturas civis e no dia 28 de Outubro parte para Luanda a restante da Companhia, ficando o quartel do Lufico abandonado.
Instalados em Luanda, no quartel da OPVDCA, junto ao Jumbo - Pão de Açúcar, defronte à Vila Alice, um bairro de vivendas, onde numa delas funcionava a sede da Casa do Alentejo. Alguns furriéis e alferes frequentaram esta casa, onde, normalmente, almoçavam e conviviam com alguns conterrâneos. Como refere o Rosário, este restaurante era quase paredes méis com a delegação do MPLA. Mais uns metros à frente havia a delegação da FNLA. Face à situação de paz existente, o pessoal aproveitou para fazer umas “farras” e algum convívio, embora soubéssemos que havia naquela malta dos movimentos, gente de menoridade armada de pistolas-metralhadoras e catanas à cintura. Corremos alguns riscos, dado que Luanda, finais de 1974 e princípio de 1975, começava a ficar a “ ferro e fogo”, pela luta pelo poder, entre os três movimentos. Por isso, muitos preferiram frequentar outras paragens, nas horas vagas, como a ida à ilha ou outros locais no centro da cidade.
Em Luanda, a C. Caç 4742/72, fez serviço de protecção no Aeroporto de Luanda e a alguns musseques, terminando no dia 10 de Dezembro de 1974.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 30
Após as formalidades legais e burocráticas militares da entrega da Companhia à Região Militar, no Grafanil, eis que pelas 16,30 h, do dia 17 de Dezembro de 1974, chega a hora de embarque para a metrópole.
ENFIM LIVRES - DEVER CUMPRIDO.
3.4- Outras actividades
Mas, porque a vida na guerra não é só combater, quando não se estava em acções de combate ou em protecção à JAEA, na construção das estradas de Luanda para S. Salvador do Congo, jogávamos cartas ou fazíamos torneios de futebol entre os 4 pelotões. O campo de futebol foi construído pela JAEA, onde, realizamos diversos torneiros de futebol entre os 4 pelotões e até tínhamos uma equipa de oficiais e furriéis.
Equipa de futebol do 1.º pelotão Equipa de futebol de oficiais e furriéis
O descanso dos guerreiros ou bebendo uns copos com o médico, Dr. Celso Pontes
Mas também recebíamos visitas. Quer do médico, quer de outras patentes. Para isso claro que tínhamos sempre disponível no bar, umas garrafitas de whisky ou outras bêbedas espirituosas. Cada um dos graduados tinha direito a receber/comprar duas garrafas de Whisky e mais duas de licor ou aguardentes, que o furriel vagomestre, Rodrigues se encarregava de requisitar…
O alf. Fernandes brincando com O Fur. Rodrigues com o sagui, junto da
o saguí, no bar de oficiais construção da arrecadação/prisão
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 31
O Fur. Carneiro fazendo de ardina c/ os O Alf. Fernandes com os seus dois outros furriéis guarda- costas, no início da comissão
Nas horas calmas dava para dar uns passeios, nem que fosse só até ao rio Lufico, com o médico, logo no fim da pista e onde estava o motor de abastecimento de água. Muitas vezes arriscávamos e passear de jipe nas picadas ou a brincar com o sagui – a macaquinha dos graduados.
Também havia tempo para assistir à missa Alf. Fernandes e Prata com o Médico Dr. Celso Pontes
Como sabemos, os Açorianos são bastante crentes. Antes da nossa partida para Angola e, já em Brancanes, houve um determinado grupo que se deslocou a Fátima para aí comprar uma imagem de Nossa Senhora, que nos acompanhou na nossa missão. Após a chegada a Lisboa deslocaram-se novamente a Fátima em agradecimento, por, como tinham pedido, toda a companhia ter vindo sã e salva. Na nossa permanência no Lufico, a pedido dos Açorianos, periodicamente, lá se deslocava o Capelão do Batalhão para celebrar missa.
3.5 - Os Castiços
Como em qualquer agrupamento, há sempre uns elementos que se tornam mais “castiços”. Como refere o Luís Rosário, devemos recordar algumas figuras “castiças” da nossa Companhia. O 1º cabo José Henriques, responsável da Cantina, sempre impecavelmente fardado e com prosápia. O Lombinha, corneteiro e padeiro. O Cabral, doido varrido, que depois de ter dado umas rajadas na caserna, teve que ser evacuado e substituído. Já estava “cacimbado”. O Gilinho, impedido na messe de oficiais. O Mota Costa, impedido da messe de sargentos. O Manuel Medeiros, barbeiro e bom rapaz. O
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 32
Pacheco, lavador de roupa e outros mais cujos nomes o meu baú de memórias de momento não dá volta.
Uma referência especial ao Pacheco, do 1.º pelotão. Naquela altura com família constituída, já era pai de 3 filhos, e, como tal, lavava a roupa a vários furriéis e alferes como forma de conseguir algum dinheiro para enviar para a família. Longe estavam os tempos de rendimentos mínimos garantidos e outras benesses, que a nossa Sociedade actualmente, usufrui. Eram outros tempos.
4- QUE CONTACTOS TINHAMOS COM O MUNDO?
Para lá da ida à sanzala, de quinze em quinze dias para receber o MVL, ( em Tomboco ou Ambrizete (hoje N’Zeto,) apenas os aerogramas, para a família ou madrinhas de guerra e a rádio, serviam de contacto com o mundo. Era ver a alegria que cada um transparecia, quando da distribuição do correio, que um furriel fazia e chamava pelo nome de qualquer um.
O SPM (Serviço Postal Militar), criado em 1961, prestou um serviço notável. Para lá dos aerogramas, encomendas, cartas e valores declarados, que transportava, foi motivo de apoio psicológico, face ao isolamento. O SPM, inicialmente constituído por 4 números, em que 3 eram a identificação da companhia e o último a província em que se localizava. A Angola correspondia o 6. Mais tarde foi reorganizado em novos códigos, ficando apenas o 6 referente a Angola. À nossa companhia correspondia o SPM 7136
Os aerogramas (cedidos pelo Marcos Prata)
Selos em uso na época em Angola
Se os oficiais e alguns furriéis ou Sargentos, ainda vinham de férias ao continente ou a Luanda, os restantes ficaram 22 sem sair do quartel ou do mato.
4.1 - Como era recebido o vencimento?
Qualquer militar podia remeter para o continente, 75 % do seu vencimento. Os alferes miliciano transferia 8.000$00 dos 12.000$00, que era o seu vencimento. Os furriéis transferiam 4.000$00 dos 7.600$00, que recebiam.
Segundo refere o Rosário, todos os meses se deslocava ao Banco a S. Salvador (M’ Banza Congo), um furriel ou um dos sargentos, para levantar o vencimento mensal a distribuir pela companhia. A viagem era, normalmente feita no avião da Satal, que nos
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 33
abastecia semanalmente os frescos e o regresso era neste avião ou, na falta deste, era uma DO (avião militar) que nos trazia ao Lufico.
Sair do nosso quartel, fosse para onde fosse, era sempre uma grande expectativa, ainda por cima passar 3 ou 4 dias em S. Salvador. Boa comida, cerveja e todos aqueles prazeres que fazem parte desta vida estavam à nossa disposição naquela pequena cidade.
O que fazer ao dinheiro, enquanto não se tinha avião para o Lufico? Conta o Rosário, que “a vez em que lhe coube ser ele a levantar o dinheiro e após a chegada a S. Salvador, dirigiu-se ao Banco, onde fez o levantamento do dinheiro que totalizava trezentos e tal contos, transportados dentro de um envelope. Foi neste momento que se apercebeu da responsabilidade que tinha entre mãos. E agora o que fazer? Meter o dinheiro debaixo do colchão, no quarto, e aguardar o transporte para a Companhia? Muitas dúvidas lhe saltaram no pensamento. Depois de pensar um bocado resolveu ir ao Comando de Sector apresentar o assunto ao major. Exposto o problema, a solução foi a seguinte, diz-lhe o major: “o nosso furriel dirija-se à Delegação da DGS (ex-PIDE) que eles têm um cofre e fazem-lhe o favor de guardar o dinheiro”. Refere o Rosário, que ficou um pouco céptico. Ir à DGS, naqueles tempos, não era de ânimo leve. Mas, não tinha alternativa. Problema resolvido. O envelope, com o dinheiro, foi lacrado, assinado por ele e por um elemento daquela organização e colocado no cofre. A partir daí foram três dias em cheio, nos “musseques” e bares, até que a DO o levou de volta ao Lufico.
Mas, o melhor estava para vir. O piloto da DO, como era hábito quando “apanhava” algum de nós no avião, resolveu fazer acrobacias aéreas à chegada. Foi o fim do mundo quando saí do avião, via tudo a andar à roda, nem sabia para que lado estava virado”.
Diz o Rosário que ficou com a noção que não compensa, a responsabilidade e os riscos, que correu, em troco de uns dias de folia.
5- EFEITOS DA GUERRA
Efeitos da mina na “picada” / estrada - O local da mina e o estado da viatura
Como já se referiu, se durante a guerra, antes do 25 de Abril, não tivemos ataques, depois do 25 de Abril, ( 14 de Outubro de 1974) numa das últimas viagens para o transporte de lenha e operação de rotina, e quando o “rebenta minas” tinha ficado a puxar a lenha, o 2.º pelotão detonou uma mina da qual resultou o unimog 404 ficar sem cabine e morreu um soldado nativo, o Fula, que ia ao lado do condutor e o oficial que ia por trás, o Alf. Prata partiu um braço, bem como outros que tiveram que ser evacuados para S. Salvador e Luanda, como é relatado, anteriormente e no texto que se segue, sobre o Manuel Medeiros.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 34
“ VIDAS DESTRUÍDAS, ALMAS SEM VIDA”
Por: Lino de Freitas Fraga
“ Desta vez fomos até à Freguesia da Ribeirinha da Ribeira Grande, conversar com o camarada Manuel Pedro da Silva Medeiros, (barbeiro), que nasceu na R. Grande.
Depois de tirar a 4ª. classe, trabalhou na lavoura, até ser chamado para o serviço militar obrigatório, sendo incorporado no B.I.I Nº.17 em Angra do Heroísmo em 17 de Junho de 1972, onde tirou a recruta e especialidade.
Algum tempo depois, foi mobilizado para Angola, tirando o IAO, em Setúbal. De referir que o Manuel revela algum esquecimento sobre as datas, nomeadamente de partida, chegada e acontecimentos importantes, pelo que não é possível concretizar datas.
Chegado a Angola, já em 1973 e depois de 5 dias no Grafanil, foi destacado para o Norte de Angola, zona de Lufico, onde permaneceu até depois do 25-04-74. ( Outubro de 1974)
Durante a comissão foram várias as situações complicadas, com ataques e emboscadas principalmente quando iam buscar água aos rios, com o terreno e o próprio rio minados.
No entanto, o momento que marcou da vida do Manuel, para sempre, aconteceu nos primeiros dias de Agosto de 73 ( corrigir para Outubro): “Íamos numa patrulha a caminho do Lepal (1) quando uma mina, anti-carro, destruiu por completo a nossa viatura, um UNIMOG. Eu fui projectado com violência contra uma árvore e fiquei todo partido com várias fracturas no peito, nas costas, nos ombros e com muitos estilhaços, no corpo”.
Nesta explosão, morreu um soldado e ficaram mais quatro feridos além do Manuel, um dos quais o Alferes comandante do Pelotão. Manuel foi evacuado, de avião, para o Hospital Militar de Luanda, estando aí internado mais de dois meses
Mesmo com muitas limitações físicas, foi mandado de regresso para o aquartelamento, onde permaneceu até depois do 25 de Abril, altura em que foram obrigados a entregar o quartel e regressar a Luanda. Aqui Manuel não tem dúvidas em afirmar: “Foi em Luanda, no Verão de 1974, que assisti aos piores momentos de violência, com actos de vandalismo e de atrocidades, com pessoas decapitadas e uma autêntica chacina feita pelos, ditos, movimentos de libertação”.
Regressou em Dezembro de 1974, continuando com muitos problemas físicos. Ao fim de três anos e como continuava muito doente, requereu uma junta médica. Foi à junta a Lisboa, onde permaneceu três meses em tratamento, melhorando bastante, sendo-lhe atribuída uma incapacidade e consequentemente uma pensão de invalidez
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 35
pelos danos sofridos em campanha, mas continuou uma longa recuperação, mesmo em casa.
No entanto, Manuel casou e deste casamento vieram cinco filhos, começou também a trabalhar numa fábrica de lacticínios e passou a fazer uma vida “normal”.
Porem, com a idade, os problemas físicos voltaram a agravar-se, com dores nos ossos em toda a zona atingida no acidente, o frio e a humidade são os principais inimigos.
Quanto aos momentos mais difíceis, Manuel destaca: “Para além do acidente em que fui ferido, foram as despedidas da família e da minha noiva, foi muito complicado e já mais esquecerei, mas a chegada também não foi fácil, dado os problemas físicos e, principalmente, o complexo que tinha devido às condições com que regressava devido ao acidente. Foi muito duro, mas consegui sobreviver”.
Manuel regressou, também, com problemas psicológicos, “… eu não conseguia dormir e quando dormia um pouco acordava aos gritos, qualquer roído mais forte me perturbava, estava sempre numa agitação…”, e não tem dúvidas que, foi graças ao apoio da família, em especial da esposa, que conseguiu recuperar, diz mesmo com alguma emoção. “Ela, (esposa), é que têm sido a grande vítima da guerra”.
Não posso deixar de referir os magníficos trabalhos, de bordados, feitos pela esposa do Manuel. Embora não perceba nada do assunto, são dignos de serem vistos.
Obrigado ao Manuel e à esposa, pela forma simpática, como nos receberam em sua casa. Um abraço.”
(1) – Corrigido para M’Pala. O pelotão ia numa patrulha e com a finalidade de recolher lenha para o quartel. ( Manuel Bento Fernandes).
6- CONHECIMENTO DO 25 DE ABRIL:
Sabia-se que a guerra de guerrilha não era ganha militarmente. Só pela via política aquele conflito teria fim.
A guerra deu-nos a consciência que aquela era injusta e limitadora da liberdade. Mas consciente ou inconscientemente tínhamos a obrigação, como cidadãos, de participar nos desígnios do país. Era necessário “cumprir a missão” apesar das circunstâncias sócio-políticas. É certo que outros, talvez mais conscientes do conceito de cidadania e liberdade, que cada um deve ter, decidiram ser desertores.
Quando se deu o 25 de Abril, no continente, ninguém teve conhecimento imediato. Numa das operações no mato e como se levam sempre alguns rádios, para lá das mochilas carregadas com as rações de combate e outro material, às vezes estavam ligados para emissoras do Congo, pois não se apanhava bem a de Luanda. Num desses dias (28 ou 29) um soldado do 1,º pelotão, comunicou que tinha ouvido no noticiário falar de uma revolução em Portugal. Não tomamos consciência dos efeitos possíveis dessa revolução imediatamente. Esperamos a confirmação oficial dessa revolução. Continuamos como se nada tivesse acontecido em Portugal. Foi neste período de “paz” que o 2.º pelotão despoletou uma mina, com um unimog 404 e tivemos uma morte.
Só um mês depois do 25 de Abril foi comunicado, oficialmente, que a guerra tinha acabado e que esperássemos, vigilantes, por novas ordens.
7- A VINDA PARA LUANDA E A ESTADIA
Só em fins de Setembro recebemos ordens para abandonar o quartel, no fim de Outubro de 1974, e vir para Luanda.
Assim, um grupo (+/- metade da Companhia), parte em 21 de Outubro 1974, com destino ao OPVDCA - (Organização Politica Para a Defesa Civil de Angola - Junto
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 36
ao JUMBO - Pão de Açúcar). Um 2º Grupo (restante da Companhia), abandonou, definitivamente, o quartel do Lufico, em 28 de Outubro 1974, com destino a Luanda.
Aqui fomos instalados no quartel da OPVDA, junto ao Jumbo e durante dois meses fizemos protecção aos bairros e no Aeroporto de Luanda, terminando no dia 10 de Dezembro de 1974.
Ficamos a “dois passos” das delegações da MPLA e da FNLA, tendo convivido com os movimentos de libertação.
Estrada para a ilha de Luanda Em Luanda no fim da comissão
Porque nem todos os pelotões estavam de serviço no mesmo dia, nas horas livres os unimogs levavam os pelotões até à praia ou à ilha de Luanda. De dia ou à noite, os oficiais e furriéis, também servia para dar uma “escapadela” aos restaurantes e bares da Ilha de Luanda ou na zona do Mutamba e os seus cafés ou os bares no Mussulo.
Foi durante esta estadia, em Luanda, que 3 soldados autóctones fugiram com as armas para as suas sanzalas.
No fim da estadia, a companhia foi entregar, ao Grafanil, todo o material bélico e viaturas existente.
7.1- Autos de Justiça
A companhia, C.CAÇ 4742/72, não teve grandes problemas de justiça, apenas pequenos delitos próprio da situação de grupo em que se vivia. Para lá da morte do Bernardo Fula, por activação da mina anti-carro, durante a estadia em Luanda, desertaram dois soldados naturais de Angola, António de Carvalho e Silvestre Augusto. De tudo isto o oficial de justiça, no final da comissão de serviço, entregou, no Quartel-General, Serviço de Justiça, para efeitos de liquidação e embarque, os seguintes processos:
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 37
7.2 - Os Cambistas
Como o sistema económico e as notas de Angola não tinham valor na metrópole, tornava-se necessário cambiar algum dinheiro que se foi amealhando, para lá do que foi transferido para o continente.
Apesar de oficialmente o escudo português ter a mesma cotação que o angolano, no mercado negro, os cambistas chegavam a dar mais 20 a 30%. Assim, mil escudos de Portugal podiam render mil e trezentos angolanos. Mas era preciso regatear, pois alguns
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 38
apenas queriam pagar apenas 10%. Ou o contrário quando estávamos para terminar a comissão, tínhamos que dar mais 15 a 30% mais.
Já agora para os mais saudosistas, uma viagem aérea de Luanda para Lisboa e regresso custava 12 contos em 1973. Foi isto que alguns oficiais e furriéis fizeram, quando vieram de férias ao continente.
Eis algumas notas que, entre 1972 a 1975, estavam em circulação:
Retirada em 1972 Retirada em 1972
Retirada em 1975 Retirada em 1975
8 - EMBARQUE PARA A METRÓPOLE
A 17/12/1974, entregue todo o espólio militar, ainda existente, embarcamos para o Continente, pelas 16, 30 h, tendo chegado a Lisboa pela 1 hora da manhã do dia 18/12/74. Cada um foi para o seu destino.
A 19 /12/74 toda a companhia entre de férias e passou à disponibilidade em 9 de Janeiro de 1975, conforme Doc. abaixo.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 39
ANEXOS:
1- LISTA DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA CCAÇ 4742/72
( Não se encontram aqui os 40 elementos naturais de Angola e recebidos à chegada a Luanda.)
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 40
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 41
2- CONSTITUIÇÃO E CARGOS DA COMPANHIA - C. CAÇ. 4742/72
( Referem-se apenas os elementos continentais, por não ter sido possível recolher a listas dos soldados açoriano, bem como outros documentos)
Tem um total de 160 militares:
Oficiais...........................................................................5
Sargentos ………………………………………………………….…… 2
Furriéis………………………………………………………..……….. 15
Praças especialistas (continentais) …………….……… 18
Praças ....................... 80 Açorianos (?) + 40 africanos
COMANDANTE DE COMPANHIA
Rui Manuel L. Pimenta – Capitão Miliciano
1º Pelotão
Manuel Jesus Bento Fernandes – Alferes Miliciano
José Mendes Dinis dos Anjos – Furriel Miliciano
Luis Manuel Pinela do Rosário – Furriel Miliciano
Fernando Silva Martins - Furriel Miliciano ( * Em 10/Set/1973 passou para o 3º
Pelotão por troca com o Pereira)
Laurentino Pedro - Transmissões
Maqueiro ?
2º Pelotão
José Adriano Marcos Prata – Alferes Miliciano
Joaquim Manuel Dores Deodato – Furriel Miliciano
Adão Manuel Lopes Silva – Furriel Miliciano
Jorge de Sousa Castro – Furriel Miliciano
Joaquim Silva Coelho - Transmissões
Maqueiro ?.....
3º Pelotão
João Nuno Magalhães – Alferes Miliciano
João António Dias Gouveia - Furriel Miliciano
João Pedro Cordeiro dos Santos – Furriel Miliciano
António Magalhães Teixeira Pereira – Furriel Miliciano (* Em 10/Set/973
passou para o 1º Pelotão por troca com Martins)
José Simões - Transmissões
José Eduardo Serreira - Maqueiro
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 42
4.º Pelotão
Manuel Paixão Marques - Alferes Miliciano
José Novo Costa - Furriel Miliciano
Eduardo Gomes da Silva - Furriel Miliciano
Lima, açoriano - Transmissões
Maqueiro ?
Administração
António Velez Maldito - 1º Sargento
José Mendes Sobreiro - 2º Sargento
António Manuel Almeida Rodrigues - Furriel Miliciano - Vagomestre
António Aristides Soares Abreu – Escriturário
Luís Correia - Escriturário
Transmissões:
José Luis Pereira Gonçalo Carneiro - Furriel Miliciano
José Manuel Conceição Graça - cripto
Vitor…… - cripto
Porfírio Cleto Carvalho - cripto
Vasco….. ??
Enfermaria
Humberto Rodrigues Felgueiras - Furriel Miliciano
…………… Enfermeiros ajudantes
………
Oficina auto
Fernando Bia Esperto – Furriel Miliciano
João Almeida Lopes - 1º Cabo
Francisco José Lopes Silva Reis - Soldado mecânico
Virgílio José Lopes Vieira - Mecânico - Condutor
Vieira - Açoriano - Condutor
Calisto - Açoriano - Condutor
Fagundes - Açoriano - Condutor
Damião - Africano - mecânico
Outros Condutores ?........
Arrecadação (material de guerra)
Vinicio Anselmo Duarte
Impedidos
Gil (Messe Oficiais) Mota Costa e Caxito (alcunha) (Messe Sargentos)
Barbearia
Manuel Pedro Silva Medeiros
Padaria e Corneteiro:
Lombinha…
Cantina –
José Henrriques, 1.º cabo
Mascote - O Cão LUFICO – “Atropelou” a avioneta e um sagui / macaca pequeno.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 43
3- FUNDAMENTO DOS ENCONTROS
À maneira de conclusão, nada melhor que este poema de Fernando Pessoa, para fazer uma introdução à fundamentação da necessidade de encontros sobre o tempo de outras vivências.
UM DIA...
( Fernando Pessoa )
“Um dia a maioria de nós irá separar-se. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que partilhamos. Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das vésperas dos finais de semana, dos finais de ano, enfim... do companheirismo vivido.
Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre. Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai para seu lado, seja pelo destino ou por algum desentendimento, segue a sua vida. Talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nas cartas que trocaremos. Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices... Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este contacto se tornar cada vez mais raro. Vamo-nos perder no tempo...
Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e perguntarão: "Quem são aquelas pessoas?"
Diremos... que eram nossos amigos e... isso vai doer tanto! -"Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons anos da minha vida!"
A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente... Quando o nosso grupo estiver incompleto... reunir-nos-emos para um último adeus de um amigo.
E, entre lágrima abraçar-nos-emos. Então faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vida isolada do passado.
E perder-nos-emos no tempo... Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades...
Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!"
3.1- PORQUÊ OS ENCONTROS?
Se analisarmos diversas publicações periódicas, referentes aos combatentes, verificamos a quantidade de encontros anuais que se realizam entre os que um dia serviram a Pátria aquém ou além-mar.
Tal como outros ex-combatentes, em 26/27-6-10, vamos realizar o 23.º encontro, em Ponta Delgada.
Por isso, questiona-se: Porque se realizam estes encontros rituais? Qual o sentido da saudade?
Ora, segundo o étimo de encontro, este tem uma relação de significado de convivência com o outro, mas também é assinalada como embate, confronto, contraposição. Por isso, o outro é aqui vivido como fascinante e ameaça. É a relação com o outro que define a minha identidade social–humana e estabelece diversas afinidades.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 44
Como diz F. Pessoa, “sempre pensei que as amizades continuassem para sempre. Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai para seu lado, seja pelo destino ou por algum desentendimento, segue a sua vida … “
Mas a saudade vai apertar. Comemorar /lembrar ou libertar/purificar/renascer, eis a questão.
O passado, ainda, atrai e muitas vezes atemoriza. Revisitar a memória do que foi a minha vida é a celebração da vida na plenitude, porque pretende regenerar o envelhecimento da condição humana. É encontrar pontos de contacto entre o passado e o futuro, caracterizando o presente. Desta forma, enquanto uns festejos/encontros são para nos libertar de aspectos negativos da aventura humana, outros são para comemorarmos a marca de um tempo de bem-estar, heroicidade ou de repercussões políticas ou religiosas. Só assim, é compreendida a condição humana, qual “Homem Revoltado”, na busca de novos paradigmas que lhe permitam o acesso pleno à Liberdade, apesar de saber que a “prisão” será uma realidade na sua vida, como ”eterno retorno”.
Por isso, o homem necessita de fazer encontros de convivência, da ritualização de um mito, algo cujo facto marcou a nossa forma de ser e estar e que se manifesta na nossa memória cultural, como uma fonte de satisfação/realização. Sentiremos saudade dos momentos passados, das lágrimas e alegrias que marcaram a nossa mente. Conviver com o outro/festejar, nada mais é que reactualizar situações “ paradisíacas”, onde o poder se manifesta e serve de motivação/leitmotiv da acção humana. Este ritual comemorativo é o símbolo da nostalgia de voltar ao ” ventre materno”, ou a situações da juventude, que perdemos em situação no cumprimento de ideais sociais, mas que gostaríamos de reactualizar, sem a pressão da guerra.
Porém, os acontecimentos passados, ora são positivos, ora são negativos, conforme se valorizam os factos. Há acontecimentos que preservamos e mantemos certas tradições, cujo valor continua intocável. Há outros que, dentro da renovação de valores e paradigmas vivenciais e pelos aspectos indesejáveis, vão morrendo com o tempo. Mas, “ um dia, tal como diz F. Pessoa, os nossos filhos verão as nossas fotografias e perguntarão: "Quem são aquelas pessoas?",
Contudo, sendo, o homem, um ser de memória, ele perspectiva a sua vida dentro destes parâmetros. É assim que, desde os tempos imemoriais, o homem desenvolve a sua actividade na convivencialidade com os outros e na busca da sua realização. É esta memória que permite a “busca da arca perdida”, fundamento da vida humana. É ela que caracteriza a humanidade e desenvolve a personalidade do homem. Ela define os seus valores e interfere na definição dos seus objectivos, quanto ao presente e quanto ao futuro. Consequentemente, sabemos que para mudar o presente, é necessário olhar para o passado e estar disposto a descobrir os erros cometidos de modo a garantir que não mais se vão repetir e, por outro lado, reescrever os factos que contribuíram para a realização do homem. É isto que os encontros procuram fazer. É este aspecto que permite criar novos tempos de festa, pelo valor que lhe é atribuído.
Nesta perspectiva, hoje, como ontem, oficial e particularmente, continuamos a festejar um facto passado, ora marcando convívios, ceias ou almoços, entre aqueles que um dia viram as suas vidas cruzarem-se ”in illo tempore”, ora são os movimentos clubísticos, sindicais ou apenas companheiros de armas, de aquém e além-mar, que se encontram para revisitar, na memória, outros tempos, outras formas de vida em grupo, ora são os aniversários, homenagens das mais diversas espécies que nos levam a esse agrupamento.
Se a memória perpetua o passado ela será uma forma de se libertar de um certo absurdo da vida social. Será que “aquele tempo” foi o lugar de realização ou, pelo
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 45
contrário, o lugar que é necessário expurgar do nosso inconsciente colectivo? Porque será que muitos ex-militares (companhias/batalhões), que conviveram no ex-ultramar português, continuam a fazer encontros anuais, se, aquele tempo, foi algo que criou, em muitos, stress de guerra/traumas?
Estes encontros convívios/festa, pela revivência de certas memórias, são, para uns, uma “catarsis” purificativa das suas mágoas/sofrimento/traumas, mas, para outros, são uma forma de comemorar/lembrar um facto, que marcou a evolução de cada um como ser de convivencialidade, onde a amizade solidária e o espírito de grupo foi elo de realização.
Portanto, festejamos para dar sentido ao presente, pelos acontecimentos primordiais benéficos que transportam para o homem, o tempo dos heróis, bem como carpir algumas situações que o nosso ego quer “tirar” do subconsciente, ou que marcam o nosso inconsciente e perturbam a vida quotidiana.
Passados 37 anos, muitos, ainda, têm dificuldade em relatar as vivências dessa época da sua juventude. Para alguns, colocar uma “pedra” sobre certos factos, talvez seja mais fácil para a sobrevivência social.
Terminaria citando F. Pessoa, “eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!"
Esta “História das Vivência da CCAÇ. 4742/72”, vem procurar memorizar, para os vindouros, factos e “histórias” de outros tempos dos seus antepassados, onde se fizeram amizades e alguns acordos de colaboração.
( Adaptação de um texto, publicado, em Março 2010, no “Combatente da Estrela”, do núcleo dos Combatentes da Covilhã, por Manuel Bento Fernandes )
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 46
4- ENCONTROS REALIZADOS 1981 a 2010
1.º- 1981 - Ferreira do Zézere
2.º - 1982 - Curia
3.º - 1983 - Alvaiazere
4.º - 1984 - Viseu
5.º - 1985 - Figueira da Foz
6.º - 1986 - Torres Vedra
7.º - 1987 – Resende
8.º - 1988 – Troia
9.º - 1989 – Figueira da Foz
10.º - 1990 – Caldas da Rainha
11.º - 1991 – Santiago do Cacém – Porto Covo
12.º - 1992 – Viseu
13.º - 1993 – Serra da Estrela – Torre
14.º - 1994 - Vila Nova de Gaia
15.º - 1995 – Peniche
16.º - 1996 - Resende
17.º - 1997 – Coimbra
18.º - 1998 – Abrantes
19.º - 2000 - Ferreira do Zézere – Centro bancário
20.º - 2001 – Rio Maior – Alto da Serra
21.º - 2008 – Castanheira de Pêra
22.º - 2009 – Aguada de Baixo – Águeda
23.º - 2010 – Ponta Delgada – S. Miguel – Açores
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 47
4.1- As Convocatórias dos Encontros dos ex-militares
1.ª Convocatória
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 48
Última convocatória: 2010
23º ENCONTRO C. CAÇ.Nº 4742 Amigo___________________________ No seguimento do encontro do ano passado, que ocorreu em Aguada de Baixo - ÁGUEDA no dia 27 de Junho, fiquei incumbido com o nosso colega MANUEL PEDRO DA SILVA MEDEIROS ( O BARBEIRO ), que fez o favor de nos presentear com a sua presença, acompanhado pela esposa MARIA DOS ANJOS (A 1ª vez que tivemos um ilhéu no convívio). Como os colegas que estiveram presentes se recordarão, logo ali ficou definido, que o encontro deste ano se iria realizar na ilha de S. Miguel, sim nos AÇORES. Como devem calcular, não é tarefa fácil, mas com o entusiasmo do Medeiros com certeza que vai ser um êxito (penso que o autocarro para nos transportar na ilha ele já conseguiu da tropa) se todos vós tiverem a gentileza de me contactarem, dando-me as vossas sugestões acerca das questões que vou pôr, tendo em atenção que o encontro se realiza em principio no dia 26 de Junho e possivelmente na RIBEIRA GRANDE. Partida na sexta-feira ao fim do dia ou sábado de manhã? Regresso no domingo à tarde ou em que dia? Voo de ida e vinda de que aeroportos? Lisboa ou Porto? Como faltam ainda alguns meses, acho que com alguma poupança vai ser fácil toda a gente ir até porque, no pessoal de lá também o entusiasmo é grande. Já podia ter dado estas informações a alguns de vós, principalmente aqueles que não estiveram presentes no ano passado, só que eu estava pendurado numa data que me havia de ser transmitida acerca de outro evento e só agora tomei conhecimento dela, peço desculpa. Os meus contactos são: Telemóvel - 933287731 Telefone fixo - 232089836 Mail - amarodrigues@sapo.pt Os contactos do Medeiros são: Telemóvel - 913257869 Telefone fixo - 296479113 Mail - rute.medeiros@hotmail.com Com um abraço_____________________________________ (RODRIGUES)
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 49
4.2- Fotos dos encontros
1981 – 1.º encontro de ex-militares na Estalagem Lago Azul - Ferreira do Zêzere
Alguns herdeiros dos ex-combatente, em 1992
Chagada à Serra da Estrela – 1993 Cume da Serra da Estrela
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 50
Encontro de ex-militares, junto ao rio Douro - Resende 1996
As mulheres e o bolo em Castanheira de Pêra -2008
Bebendo uns copos, em Aguada de Baixo - 2009
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 51
5 - HISTÓRIA DA DIVISA - GUIÃO
Afinal a divisa do nosso guião “ANTES MORRER LIVRES QUE EM PAZ SUJEITOS”, tem um fundamento histórico. Foram palavras ditas pelo governador militar da Terceira, Ciprião de Figueiredo, em resposta a uma carta de D. Filipe I ( de Portugal e Filipe II de Espanha), em que confirma a sua fidelidade a D. António, Prior do Crato, recusando-lhe obediência.
Carta de Filipe II ao Governador Ciprião de Figueiredo de Vasconcelos.
“Doutor Cypriam de Figueiredo, eu EI-Rei vos envio saudar, não podendo deixar de crer de vós que cumprireis com obrigação que tendes ao meu serviço e ao bem dessa ilha e a que particularmente vos toca, me parece encomendarvos isto mesmo, que de vós confio que fazendo vós assim como é de crer, não somente vos perdôo as culpas passadas, mas que folgareis fazer mercê pelo serviço que de vós nisto espero para que se escuzem os grandes danos dessa ilha, e dos moradores dela e seu povo; indo sobre ela o apercebimento que tenho mandado fazer de gente, navios, munições; como tudo largamente vos dirá que vos esta minha carta vos dará.”
Em Lisboa a 14 de Outubro de 1581.
Resposta do Governador Ciprião de Figueiredo de Vasconcelos.
“Vi a carta que V. Magestade me mandou por Gaspar Homem, na qual me dizeis, que não podeis deixar de crer de mim, que cumprirei com a obrigação, que tenho a vosso serviço, bem como desta ilha com que particularmente me toca: provera a Deus que tivera V. Magestade lembrança da em que estais aos Reis de Portugal e principalmente ao Sereníssimo Infante D. Luiz que com seus vassalos pessoas sempre em guerras ajudou ao Imperador vosso Pai, porque nem as fizereis contra o reino com El-Rei Antónío, seu filho, ofendendo tanto Deus Nosso Senhor nos estragos honras, vidas, fazendas que causaste no meu, e os Portugueses verdadeiros seus vassalos deixaremos de vos servir como Rei cristão e a quem sempre amou a nação Portuguesa; mas que V. Magestade se esqueceu de tão devida razão, e da sangue pelo muito parentesco que tendes com os Reis de Portugal, nem a V. Magestade lhe cabe que eu sirva como vassalo, nem a mim convém obedecer como súbdito. Esta ilha e moradores são de El-Rei D. António, a quem juraram por seu Rei e natural Senhor; assim pela sucessão do Reino lhe pertencer, e o povo dela o ter eleito; como a Cidade e Câmara de Lisboa isso escrever: as razões e justiça que para isso havia, não posso eu crer que V. Magestade não as tenha muitas vezes passadas pela memória ainda que outras não houvera mais que a eleição do povo, que nesse Reino por muitos actos tem direito de nomear Rei (falando descendentes adquiridos) bastará entrar V. Magestade nele com mão armada, estando em litígio, para ainda que tivéreis muita justiça perderdes todo vosso direito, mas em Deus confio que tudo hade tornar ao estado, que nem V. Magestade por ocupar o alheio perca sua alma, nem o que está por ora uzurpado deixe de vir ao poder de seu dono não me tenha V. Magestade por atrevido: mas julgue-me por desinteressado; prouvera a Deus que os homens tiverão homens livres e pouco ambiciosos em seus conselhos; porque nem El-Rei D. António chegara aos termos que o puzeram tamanhas traições; nem V. Magestade o perigo de perder o céu, e pôr em risco toda a cristandade. Coitado daquele que hade dar conta no final juizo das honras, morte, fazendas de tantos, da liberdade e gosto da vida; porque para quem se perdeu não haverá arrependimento que baste em satisfação, por se lhe acabar o tempo. Se V. Magestade bem cuidar da hora da morte que nos espera, e
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 52
quantos males dela se nos hão--de representar, e as penas, que pelos que tendes em Portugal feito eternamente haveis de ter e justamente haveis de padecer lembrando-vos tão perto estais de se vos acabar tudo. Ah! Como dareis uma volta tão grande ao passado por que tudo se vos hade então ser presente. Quanto melhor vos for a estar em vosso Reino pacífico, vossos vassalos quietos, amado de todos os Reis Cristãos, e servidor de todos os seus; que o que tendes feito em Portugal: não somente os cristãos, mas todas as nações vos terão intrínseco ódio: cuidai quantos inocentes matastes com o vosso exército: cuidai nas honras das viúvas, e donzelas roubadas e nos gemidos que ante a divina justiça estão pedindo de vós; lembro-vos quantas casadas por adultério forçosas são apostatadas; os templos de Deus que profanaram; as Religiosas que desonraram; a servidão em que pusestes os moradores de Portugal; e finalmente tudo o que nele causastes, que Deus tem tomado à sua conta o tomavo-la com rígurosa justiça: como por um Reino que mais que todos no mundo nobilitou, dando-lhes as suas sagradas chagas, com que nos redimio, por armas que foi sinal e penhor de nunca o desamparar; as cousas que padecem os moradores deste afligido Reino, bastavam para vos desenganar que os que estam for a desse pesado jugo, quereriam ANTES MORRER LIVRES QUE EM PAZ SUJEITOS; nem eu darei aos moradores desta ilha outro conselho; porque não perca minha alma, nem minha honra, que trocarei quantas vidas tivera, e pudera possoir para morrer leal ao meu Rei que jurei; porque morrer bem é viver perpetuamente daqui me vém ter mais conta com preservar até ao fim da vida nesta lealdade que temeu os vossos apercebimentos de gente, navios e munições com que V Magestade na sua me ameaça; porque confiando em Deus que peleja por nós para os navios está o mar, e portes desta ilha aparelhados para as munições as fortalesas e muitos poços para meter toda a gente que nos vier buscar; a que não se perdoa: pelos males que resultam de perdões. Não me ponha V. Magestade culpa, porque jurei a D. António por meu Rei e Senhor, e de defender esta coroa, também fisera o mesmo por vós se vos tivera jurado (posto que não o fizera com tanto gosto) porque basta ser Rei Português; e se a desventura me chegasse a estado que ficasse com vida sujeito, e por fazer o que devo me mandassem matar: perdendo a vida pelo Senhor Rei D. António, então a ganhava, e também não perderia a memória pela minha lealdade nem se perderia a fama de Vossa crueza e sem justiça. Eu não sirvo a El-Rei D. António por interesse (posto que dele se podiam esperar melhores mercês que de nenhum outro Rei): mas sirvo-o com a pureza da minha obrigação de que resulta não me moverem mercês prometidas; que foi o laço em que caiu Portugal porque fora do que devo nenhuma cousa me poderá mover a troco de vender a honra, e a lealdade que não tem preço, nem há nenhum que tanto estimo, lição que a muitos fidalgos esqueceu. Nosso Senhor leve a V. Magestade para o seu Reino, e restitua o de Portugal ao seu amado Rei e Senhor D. António; como seus verdadeiros e leais Portugueses desejamos.
Desta muito nobre e sempre leal cidade de Angra, Ilha 3ª de Jesus Cristo em 13 de Março de 1582.
De Cypriam de Fiqueiredo de Vasconcelos, Governador das ilhas dos Açores.”
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 53
6 - GUIAS DE MARCHA
Exemplo das andanças para a formação militar: Guia de Marcha e quartéis por onde tínhamos que passar para atingir o cumprimento das obrigações militares.
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 54
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 55
7 – LINKS SOBRE ASSUNTOS DA GUERRA COLONIAL Guerra colonial 1961-1974 http://ccac4740.com/historiadaunidade.htm www.bemposta.net/ccsbatalhao/index.htm pangalacity.blogs.sapo.pt/ Luanda (pré e pós 75) geracaodaguerra.blogs.sapo.pt/8976.html Episodios da série "A Guerra" de Joaquim Furtado na RTP Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra A guerra colonial (honra e pesar) RTP2 - Vídeo Cronologia da guerra do Ultramar Stress pós-guerra (RTPN) - Video Prós e Contras RTP1 (A Guerra) Vídeos sobre a guerra colonial Guerra colonial (muito bom) Diário de um Combatente Antecedentes da guerra prof2000.pt/users/Secjeste/Arkidigi/Criticas.htm micaias.blogs.sapo.pt/10802.html. zala.fotosblogue.com/r1382/MALANGE-Guerra-Civil/2/
8- TEXTO LITERÁRIO - A Mata
( Não aconteceu durante as nossas operações. Mas esteve quase a acontecer…)
“Ela exerce um fascínio magnético como grande íman de polaridade descontrolada. Tem um efeito de atracção com a promessa de um pouco menos de calor no abrigo da sua sombra generosa, com a provável oferta de um manancial de água, mas simultaneamente, produz um efeito contrário de repulsão criado pela obscuridade, pelo receio do desconhecido, pelo temor da emboscada.
A luz, mil vezes reflectida e filtrada pelas folhas, coleccionando pacientemente estranhos matizes, chega ao solo como manchas de caleidoscópio gigante que se esbate nas fardas camufladas dos intrusos e os dissimula, talvez a contragosto. A progressão do pequeno grupo de nomadização é lenta, cuidadosa por entre troncos majestosos ornados de musgos que se assemelham a cabelos desgrenhados, barbas esverdeadas e de cipós que flexíveis e laboriosos demandam a luz do sol lá no alto. Menos exigentes, pequenas plantas rasteiras sobrevivem na penumbra e enleiam-se nas botas dos que avançam tensos, olhos semicerrados, bocas abertas, mordendo o ar húmido. Voluntários especializados, todos graduados, tentam quebrar a monotonia de uma guerra contra um inimigo invisível que põe minas, flagela de longe mas não dá a cara. É a guerrilha, eles sabem. Deslizam lentos como seda em corpo de mulher fremente. À sua frente, uma macaca surpreendida, aperta a cria contra o ventre e salta vertiginosa para o alto. Aí uma ave branca de longa cauda e bico de papagaio clama o seu protesto com um grito agudo, repetido, batendo as asas. Aquietada no
História e as Vivências da C. CAÇ 4742/72 da Terceira- Açores ao Lufico - Angola
De 17 de Junho de 1972 a 17 de Dezembro de 1974 56
ramo que escolheu, olhou para baixo e com a cabeça de lado, um olho virado para o grupo, mirou-os longamente. Mudou de ramo, talvez para melhor acompanhar a progressão dos intrusos. A mata, indiferente a esta violação, retomou a sua polifonia. Uma ligeira brisa agitou a copa distante das árvores, acrescentando mais um som ao coro imenso da natureza.
O da frente parou erguendo ligeiramente o braço. Depois, num gesto curto de convite, chamou para si os restantes elementos. Apontou-lhes uma pequena clareira sombria à sua frente. Aí, o IN, onze elementos, comiam. A seu lado, velhas mochilas e sacos em mau estado pareciam cheios. Talvez um grupo de transporte de reabastecimento de víveres ou munições, quem sabe se minas…
Reunidos, iniciaram um diálogo gestual.
“Envolvimento e captura’” perguntou o da frente alongando os braços e estreitando-os contra o próprio peito
Cinco cabeças oscilaram uma negação e um, com o indicador em riste, contou-os a si próprios. “Somos poucos”…
Projectando os braços para a frente, dedos recurvados como garras, o comandante inquiriu:
“Assalto?”—a resposta tardou e veio de dois que com um veemente não formulado com o indicador a oscilar como se espantasse moscas, apontaram o terreno difícil que, na progressão, quebraria o factor surpresa .
O que convocara a reunião de mudos, olhando os outros, encolheu os ombros, apontou para a sua arma e descreveu com ela um leque abrangendo a minúscula clareira.
Como sinos tangendo requiem, no ar quente e bafiento, cinco cabeças oscilaram a compasso.
Com um gesto largo, face crispada, apontou-lhes o caminho e com o olhar endurecido, num rictus de dor e determinação, seguiu-os até receber o sinal de prontidão de cada um.
Então, movimentando os dedos da mão direita num gesto de desentorpecimento, abarcou o punho da arma, afagou o guarda-mato, deixou o dedo resvalar para o gatilho numa carícia de morte; com a mão esquerda tacteou os ressaltos do guarda-mão como se procurasse as cordas do braço de uma viola, escolheu o alvo e, com um breve olhar para os companheiros, o coração oprimido, premiu o gatilho.
E a mata emudeceu num luto piedoso, mas breve. O pássaro branco de rabo comprido voltaria a fazer ouvir o seu protesto estridente. A cria da macaca largaria o aconchego do pelo do ventre da mãe e procuraria um ramo fino que os seus pequenos dedos pudessem abarcar e baloiçaria num equilíbrio incipiente. Pequenas aves, mais próximas do solo, ensaiariam novos cantos. O cheiro acre da cordite queimada desceria lento, quase discreto e seria absorvida pelo tapete de folhas mortas.
Mas, na pequena clareira daquela mata lá muito ao norte de Angola, os sinais de morte perdurariam por muito tempo.”
Adaptado de “Delta Five Lima Alfa” de J. E. Navarro, ex-combatente. a)
a) Pseudónimo de J. Eduardo Tendeiro – Covilhã